quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A ENERGIA QUE VEM DO SOL

Sistema fotovoltaico é aposta de empresários e pesquisadores entusiastas das fontes renováveis de energia.



O Brasil será o sétimo maior mercado consumidor de energia em 2030 e, para atender ao crescimento da demanda brasileira, estimada em 3,3% ao ano nas próximas duas décadas, serão necessários investimentos da ordem de US$ 750 bilhões. É o que diz o estudo
“Brasil Sustentável - Desafios do Mercado de Energia", produção conjunta da Ernst Young Brasil e da Fundação Getúlio Vargas Projetos.
O sócio da Ernst  Young, José Carlos Pinto, destaca que a oferta de energia competitiva e de qualidade é um requisito imprescindível para o crescimento econômico sustentável. "Analisar o desempenho do setor é crucial para visualizar as oportunidades e os obstáculos que se apresentarão nas próximas décadas. As projeções e os cenários apontados no estudo são importantes para o planejamento das empresas, do governo e para entender as transformações pelas quais passará a demanda de energia no Brasil e no mundo", afirma o executivo.
E quando se fala em qualidade, cada vez mais o que estará em yoga é a questão da sustentabilidade. O desafio é suprir a demanda de energia necessária para o crescimento do país com menos impacto ambiental e social possível. Nesse sentido, a ainda incipiente energia fotovoltaica seria uma das soluções plausíveis em um país em que os índices de incidência solar são favoráveis à sua implantação, não apenas em regiões afastadas, mas como complemento à própria rede. É sob esta perspectiva que a Memória da Eletricidade deste mês aborda a história da energia solar e como ela vem se desenvolvendo no Brasil.

Da luz às placas de silício

A história oficial da energia solar tem inicio em 1839, quando o efeito fotovoltaico foi observado pelo físico francês Alexandre Edmond Becquerel. Na época, o físico conduzia experiências eletroquímicas quando, por acaso, verificou que a exposição à luz de elétrodos de platina ou de prata dava origem ao efeito fotovoltaico. Novamente o acaso exerceu papel coadjuvante, quando foi construída a primeira célula fotovoltaica com selênio, por Willoughby Smith, em 1873.
Na sequência desta descoberta, Willian Adams e o seu aluno Richard Day desenvolveram, em 1877, o primeiro dispositivo sólido de fotoprodução de eletricidade formado por um filme de selênio depositado em substrato de ferro, em que um filme de ouro muito fino servia de contato frontal. Este dispositivo apresentava uma eficiência de conversão de aproximadamente 0,5%. Em 1883, Charles Fritts aperfeiçoou o dispositivo, inserindo várias camadas de selênio e obtendo eficiência de 1%.
Em 1940, Russel Ohl inventou a primeira placa solar de silício, porém, foi somente em 1954 que Calvin Fuller e Gerald Pearson desenvolveram o processo de dopagem de silício, nos Laboratórios Bell, localizado em Murray Hill (EUA). Pearson, seguindo instruções de Fuller, produziu uma junção p-n ou díodo, mergulhando num banho de lítio uma barra de silício dopado com um elemento doador eletrônico. Ao caracterizar eletricamente a amostra, Pearson descobriu que esta exibia um comportamento fotovoltaico. A descoberta foi compartilhada com Daryl Chapin, que na época trabalhava em uma alternativa de energia para baterias elétricas que alimentavam redes telefônicas remotas. Mais tarde, com o intuito de superar problemas técnicos, Fuller dopou silício primeiro com arsênio e depois com boro, obtendo células que exibiam eficiências recorde de cerca de 6%.
Em 1954, a primeira célula solar foi formalmente apresentada na reunião anual da National Academy of Sciences, em Washington (EUA). Em 1955, a célula de silício foi aplicada pela primeira vez como fonte de alimentação de uma rede telefônica em Americus, na Geórgia.
A princípio, a energia fotovoltaica ficou restrita a utilizações em locais onde não havia energia da rede e à alimentação de satélites e sondas espaciais. "A corrida espacial, de certa forma, ajudou no aperfeiçoamento do sistema fotovoltaico porque os primeiros satélites funcionavam à base de baterias que simplesmente acabavam depois de um tempo. A segunda geração de satélites passou a funcionar 100% com energia fotovoltaica. O processo era caro e durante muito tempo ficou restrito a esta área", explica o professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ricardo Ruther.
O primeiro satélite alimentado por energia solar, denominado Vanguard I, foi enviado ao espaço em março de 1958 e encontra-se em órbita até hoje.

Energia renovável
Quando se fala em energia solar, três fatores se destacam no seu uso: a capacidade de renovação, o menor impacto ambiental e a viabilidade de gerá-Ia a partir do ponto de consumo, em lajes, coberturas, etc. Este ultimo fator é responsável por vantagens importantes da energia solar como evitar o desperdício por transmissão e distribuição. "Apesar de o Brasil ser muito bom neste quesito, apenas 7% de nossa energia é perdida no processo de distribuição, temos que investir muito para que a energia saia dos centros de geração e chegue até nossas casas, o que não é necessário no caso da energia solar", explica Ruther.
O professor também explica a principal diferença no uso direto da energia solar e que costuma gerar certa confusão entre os leigos. Uma das maneiras de utilizar a energia do sol é por meio de coletores térmicos que transformam a luz do sol em calor para aquecimento de água. "Esta tecnologia é multo simples em relação a que utilizamos para de fato gerarmos energia", diz o professor.

A segunda maneira é converter a energia solar diretamente em energia elétrica, utilizando células fotovoltaicas revestidas de semicondutores que, ao absorver luz, produzem uma pequena corrente elétrica.
Para se ter idéia do potencial fotovoltaico brasileiro, se fossem coberto apenas 0,04% de todo território nacional com placas fotovoltaicas, o sistema atenderia a 100% do consumo do país.
Devido aos elevados custos de fabricação e manutenção, a utilização da energia solar ainda não oferece vantagem para uso comercial no Brasil. O que se tem hoje são aplicações em universidades, centros de pesquisa e algumas distribuidoras com a finalidade de observar seu funcionamento.
A maior parte da energia gerada por sistema fotovoltaico ainda é tímida e isolada no país, a exemplo do projeto Luz para Todos, do governo federal, que cumpre seu papel de levar eletricidade para mais de 10 milhões de pessoas do meio rural. Porém, isso é algo que deve mudar nos próximos anos. Segundo o professor Ricardo Ruther, o grande empecilho à popularização da Fonte é o alto custo da energia solar, que inicialmente também foi um problema em países que hoje já a empregam de forma mais extensa. Esta suavização dos preços deu-se graças a incentivos de fomento à indústria e à conscientização da busca por energia renovável. Hoje, ela já tem papel importante na matriz energética de países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Japão, lideres no desenvolvimento e utilização desta tecnologia.
"A realidade da energia fotovoltaica no mundo é de crescimento. E quanta maior a demanda, maior é a tendência de que os preços de seus compostos e do valor da energia solar caiam, à medida que forem ocupando maior papel no mercado", afirma Ruther.
A titulo de curiosidade, cada MW/hora gerado a partir do sol custa entre R$ 450 e R$ 500, dependendo
da tecnologia. A energia de hidrelétrica não passa de R$ 100. O preço da eólica e da energia térmica é da ordem de R$ 140 e a nuclear R$ 150. A energia térmica tem uma variação maior de preço, mas está na faixa da eólica.
Outro aspecto que tem impedido a energia fotovoltaica de crescer no Brasil é o pouco conhecimento que os profissionais do setor tem sobre a tecnologia. "Das instalações que temos hoje 90% foram realizadas nos últimos cinco anos e ainda é muito recente. Por isso que a academia e a indústria estão empenhadas em pressionar o governo para fomentar a energia fotovoltaica em nosso país", ressalta o professor.

Silício de grau solar
Ruther também chama a atenção para o fato de o país ser um dos grandes produtores de silício do mundo, mas apenas exporta o mineral, quando poderia agregar valor ao negócio, produzindo o Silício de Grau Solar (SiGS), utilizado nas placas fotovoltaicas.
Segundo dados do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), o Brasil, como um dos maiores produtores mundiais de silício de grau metalúrgico, com capacidade de produção de aproximadamente 200 mil t/ano, tem possibilidade de agregar valor a este produto que atualmente é comercializado por preços de aproximadamente US$ 1,5 por quilo, podendo passar para cerca de US$ 30 a US$ 60 por quilo, dependendo da qualidade do produto produzido.
Além disso, com o estabelecimento de uma indústria produtora da principal matéria-prima empregada na produção de células solares fotovoltaicas, haverá condições favoráveis para projetos de implantação e expansão de indústrias fabricantes de céluIas e painéis solares fotovoltaicos no Brasil.
Ainda com fonte em dados do IPT, o crescimento da demanda de silício de grau solar é decorrente da necessidade de substituição de energias baseadas em combustíveis fósseis por energias mais limpas e renováveis, no sentido de cumprimento de metas de redução das emissões de CO2. Assim, o mercado de energia solar fotovoltaica tem crescido, em média, a taxas superiores a 40% ao ano nos últimos dez anos e, em 2009, o crescimento foi de 52%.
Apesar de o custo da energia solar ainda ser elevado, ele vem caindo significativamente nos últimos anos e, segundo previsões, em um futuro não muito distante (2020/2030), a energia solar fotovoltaica terá custos competitivos com as fontes tradicionais de energia.
Em 2009, o consumo de silício na indústria solar fotovoltaica foi superior a 100.000 t e as perspectivas de crescimento do consumo do silício de grau solar (SiGS) indicam um consumo superior a 200.000 t em 2020, representando um mercado de aproximadamente US$ 5 bilhões, mesmo considerando taxas de crescimento modestas.

Fomento à indústria

Em agosto de 2010, um grupo de cinco empresas participou de uma reunião inter-ministerial na sede do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), com o objetivo de apresentar a intenção de compor um grupo setorial no âmbito da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), com a proposta de criação do Programa Brasileiro para o Estabelecimento do Setor Fotovoltaico.
O Grupo Setorial (GS) obteve grande adesão e suporte por parte das empresas que compõem o emergente segmento fotovoltaico no Brasil, congregando hoje 60 empresas dos diferentes segmentos de sua cadeia de valor. Desde fevereiro deste ano, o GS conta com uma diretoria e quatro grupos de trabalho (GT): GT Leilão, GT Mercado, GT Tributário e GT Inversores/Normas.
Segundo o presidente do GS, Leônidas Andrade, é possível dizer que já há no Brasil uma indústria emergente e ativa ligada ao setor fotovoltaico, produzindo inversores, controladores de carga, estruturas de alumínio, gabinetes, além de cabos e conectores.
AIém disso, Andrade fala sobre o ressurgimento das primeiras empresas produzindo móduIos fotovoltaicos com o sentido de ampliar e verticalizar a sua produção, tão logo haja demanda que justifique investimentos adicionais. Segundo documentos do grupo, outros projetos para fabricação de células e módulos estão em plena fase de desenvolvimento, esperando apenas por uma sinalização mais firme que justifique os seus investimentos.
Com presença especial na edição 2011 da Feira Internacional da Indústria Elétrica, Energia e Automação (Fiee), em que 18 empresas apresentaram produtos desenvolvidos para o setor, Andrade afirma: "apesar de a indústria brasileira ainda ser embrionária, o interesse pelo fotovoltaico é grande e impulsionou a criação do grupo, cuja missão é discutir a indústria fotovoltaica como uma das formas de energia que se tornará cada vez mais competitiva no mundo", prevê.

Planta piloto instalada na sede da Eletrosul, em Florianópolis (SC)
Além de fomentar discussões, o GS também visa a fortalecer a necessidade de o Brasil ter uma indústria instalada e pronta para suprir a própria demanda nacional, quando a energia fotovoltaica estiver estabelecida no país, além de se tornar exportadora. É neste sentido que o governo deve entrar como parceiro desta indústria que nasce com um mercado promissor em vista.
"Nós levantamos que programas de energia solar fotovoltaica dos países desenvolvidos tem por prioridade movimentar suas economias por meio de índices estratégicos de nacionalização de sistemas fotovoltaicos, estimulando a criação de indústrias e, sobretudo, gerando empregos de valor agregado. Para se ter no Brasil mercado fotovoltaico sustentável e de larga escala é preciso instituir programa de incentivo ao estabelecimento de fábricas de equipamentos no Brasil", afirma Andrade.
O presidente do GS finaliza realizando um paralelo entre a política industrial para equipamentos eficientes e a concreta adoção das tecnologias renováveis na matriz energética brasileira.
Para Andrade, tendo em vista o papel complementar e estratégico das fontes alternativas e renováveis, e entendendo a diretriz do Governo para o setor elétrico de diversificação da matriz energética, essas fontes continuarão a ser estimuladas em consonância com os procedimentos estabelecidos pelo novo modelo do setor elétrico. Entretanto, esse estímulo deverá vir acompanhado de uma política industrial que promova o desenvolvimento nacional da cadeia produtiva das tecnologias dessas fontes, pois a indústria nacional de equipamentos ainda precisa ser desenvolvida, a fim de se obter redução de custos e ganho de escala.
Com este cenário de crescimento e de fortalecimento das energias renováveis, é possível afirmar que a energia solar é uma das formas de geração de eletricidade que deve crescer substancialmente nas próximas décadas e vem com a missão de auxiliar um dos grandes desafios deste milênio que é suprir a necessidade de energia de forma sustentável.
O principal obstáculo a ser superado neste momento é fazer o equipamento necessário a geração da energia solar tornar-se mais barato e acessível. Na opinião de Andrade, o governo precisa fazer sua parte, subsidiando este tipo de investimento e vendo a energia solar não apenas como um sistema para ser usado em locais isolados, mas para complementar a demanda em rede.



Por Luciana Mendonça
Artigo publicado na Revista O Setor Elétrico Ed. 65 junho de 2011

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